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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sobre a decência humana


Sobre a decência humana

Hoje às 00:00

O muro entre o México e os EUA existe e assume a forma de jaulas para cerca de 2000 crianças. Campos de concentração para crianças que aguardam sozinhas desde Maio, aparentemente entre os 4 e 10 anos, propositadamente separadas dos pais por terrorismo de Estado. E não sabíamos. Ou então não fomos suficientemente alertados pelos avisos semelhantes que todos os dias se colariam aos nossos olhos se realmente quiséssemos ver. Mas o prazo da revolta passa-nos em vertigem até uma tragédia maior que suceda. Temos uma data limite para a indignação e está visto que não abdicamos dela.
As imagens são dantescas e sem ponta de sangue. Não é guerra, pode ser igual ou pior. Não há sangue, só uma violência sem limites. E lágrimas, cobertores térmicos no chão, pedidos de clemência e pranto pela presença dos pais, jaulas iluminadas 24-horas-dia não vá o diabo das crianças tecê-las. Nenhuma informação sobre o paradeiro das famílias, crianças abandonadas ao abuso, à tortura da solidão, perdidas, traumatizadas. Nos EUA, os democratas denunciam. O senador John McCain, considera esta política uma afronta à decência do povo americano mas nem ele nem nenhum dos seus colegas republicanos defendem o projecto de lei de Dianne Feinstein que poderia pôr fim a este crime. Bandidos de Senado.
Para nós europeus, bastaria olhar para o que se passa em Itália, na Hungria ou em Malta para exigirmos uma outra Europa. Para nós europeus, bastaria olhar para os milhares de crianças enjauladas e separadas dos pais pela política-Trump de "tolerância zero" com os imigrantes ilegais para lhe respondermos com total intolerância e intransigência. Mas não. Esta é a Europa que temos, tímida perante um facínora que a democracia decadente elegeu e tímida perante os seus próprios violadores. Enquanto ainda há muito boa gente regalada a olhar para as fotografias de dois bonecos a celebrar um acordo sem conteúdo e com mosquitos entre cordas em Singapura, Trump passa todos os limites e chantageia com a saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Sim, ele pode. Porque nós deixamos.
É, por vezes, o que nos separa da decência. Façamos de conta que nada acontece e, daqui a nada, está ali em Olivença, terra de ninguém. Na nossa porta e ao nosso alcance. Anuncia-se uma visita de Marcelo Rebelo de Sousa à Casa Branca no final deste mês e o seu cancelamento, até à resolução destes campos de concentração para crianças migrantes, seria o exigível sinal de afecto do nosso presidente. Isso se existisse Europa. Isso.
A sensação que tenho é a de que estamos a ver passar um funeral.

Miguel Guedes

MÉDICO E ADVOGADO 








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