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domingo, 6 de março de 2016

O senhor Dinis - Um Conto











O senhor Dinis









No ar rarefeito da manhã, e a par dos passos cansados ela acompanhou com o olhar a longa frontaria moderna, o amplo jardim relvado e a alta cerca de ferro com portão a condizer.
De dentro accionaram o mecanismo que lhe facultou o acesso a um hall de piso brilhante, paredes coloridas por cartazes, imagens, e trabalhos manuais. A sua capacidade olfactiva apercebeu-se que o cheiro não era o de um lar (se é que os lares têm cheiro próprio), mas sim de uma recente limpeza, e tudo era acético, mas não demais.
Pediram que esperasse, a senhora doutora atenderia logo que pudesse. Deixou cair a carteira no grande banco de madeira envernizada encimado pela estante envidraçada onde constavam os menus da semana inteira. Chamou-lhe a atenção, com agrado, a variedade de sopas.
Os minutos foram passando e contava-os um a um, tal como as migalhas dispersas em que se encontrava a sua paciência. No vidro de um passe-partout pendurado, notou as olheiras profundas, de um cansaço anómalo onde o físico e o anímico se gladiam a ver quem dá mais.
Ao fundo do corredor a ampla porta oscilava e permitia o vislumbre parcial duma sala onde corpos idosos ou diminuídos se entregavam ao tempo. Será que o contam em dias, em horas, ou em minutos? Mas cujos olhares fugiam da sala e vinham ao seu encontro sempre que a frincha da porta o permitia.
E o tempo, o seu tempo, escarneceu … agora voltada para a porta de saída onde a liberdade prometia. Só ouviu o ploc ploc, quando o ruido já estava muito próximo dela, voltou-se e deu com os olhos que a analisavam enquanto as mãos tentavam manter o equilíbrio do andarilho. O dono do andarilho deu mais uns passos que lhe permitiram sentar-se no tal banco de madeira do qual ela se apressou a retirar a carteira.
- deixe estar, deixe estar, cabemos todos, eu, a sua carteira e também a menina se se quiser sentar…diga-me, como se chama?
- Maria, e o senhor?
- eu sou o Dinis e estou a viver aqui…e a menina vem visitar algum residente?
- não, vim conhecer o local para um familiar, saber das condições…parecem boas, que me diz?
A pequena estatura era compensada pela abrangência do olhar vivo, experiente, e inconformado. Olhou-a como que avaliando se valia a pena dar a resposta dele ou a que ela quereria ouvir. Pôs-se de pé, acertou o andarilho na direcção da porta, olhou-a nos olhos e foi dizendo:
- aquela porta não é uma porta, é um oceano entre dois continentes, aquele onde vivi como pessoa, e este onde gasto oxigénio – quando olho o jardim penso que lhe roubaram o verde, mesmo na primavera, porque nenhum verde é igual ao do meu quintal – sinto saudades de ter frio no Inverno e calor no Verão, aqui na confortável temperatura sempre igual não tenho motivos para ansiar as estações – nestas paredes novas, tudo perfeito, tenho já dificuldade em recordar a minha casinha de que tanto gostava – e a família…a 5 quilómetros, acha que é muito longe?...
Com perícia, deu a volta ao andarilho e com passos trémulos encaminhou-se para a sala onde tudo é espera.
Maria levantou-se, pegou na carteira e procurou o botão mágico que abria o portão, seguida pela farda encantadora da empregada…
- já vai embora? Mas a senhora doutora ia mesmo agora mostrar-lhe tudo
- obrigada, creio que já vi tudo.



MA

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