Posso
ainda defender Serralves?
Já
que tanta gente se acobarda, com medo ser considerada inculta, troglodita ou
reacionária, perante o que se passou em Serralves, deixem-me dizer uma coisa
que penso todos os pais, avós, curadores, educadores ou outros que tenham
relação direta com crianças compreendem: acho bem que se coloque um limite de
idade para certas criações artísticas, nomeadamente as de Mapplethorpe
Perdoem-me
não ser assim tão rebuscado. Mas pergunto se os defensores de tudo aberto, sem
restrições, alguma vez viram fotografias deste autor? Se sim, pergunto-lhes se
as veriam com a filha ou filho de 12 ou 15 anos ao lado? E com a mãezinha? Não
creio. E não me venham com arte, pura arte; Pasolini é um enorme cineasta e eu,
ainda hoje, com as filhas criadas e maiores, não me sentiria à vontade para
estar com elas a ver o filme “Salò ou os 120 dias de Sodoma”. Por isso, sim,
agradeço que me avisem.
Do
mesmo modo, o Marquês de Sade tem uma arte estranha e provocadora na
literatura. Talvez por isso, seja também detestado por muita gente. Quando
alguém pega num livro como ‘A Filosofia da Alcova’, não está preparado para uma
sessão de leitura. O livro é mau (não na forma, nem nos diálogos e menos ainda
por falta de imaginação). É mau porque exalta a maldade para quem o sexo tem um
lado punitivo, totalmente afastado do amor. Não vejo grande diferença entre
Sade e Mapplethorpe e agradeço que se um dia alguma instituição se lembrar de
fazer leituras de Sade avise que não podem entrar crianças.
O
aviso (se é aos 18 ou aos 16, idade de consentimento para o sexo, não faço
ideia) é fundamental. Ninguém pode ver, ouvir ou sentir o que não quer.
Curiosamente, esta sociedade da grande liberdade artística é a mesma que
condena violentamente a reprodução de imagens de pedofilia ou de violência e
assédio. Não digo que não devam ser condenados, mas terão de compreender que há
uma contradição entre esta violência sexual de Sade ou Mapplethorpe e a recusa
do assédio e da pedofilia (concretamente, a Sade nem lhe deveria passar pela
cabeça que havia algo de errado na pedofilia, aliás como aos gregos e romanos
do período clássico).
A
censura, tal como ela existiu em Portugal, era decidida pelo Estado, por
organismos que diziam o que deve e não deve passar, ser exibido, vendido, etc
A
civilização consiste no alargamento da liberdade, e esta não existe sem
responsabilidade. Por isso, quando um grupo de ignorantes se põe aos berros a
dizer que há censura, gostava de lhes dizer algo simples: a censura, tal como
ela existiu em Portugal, era decidida pelo Estado, por organismos que diziam o
que deve e não deve passar, ser exibido, vendido, etc. Quando essa decisão é
dos exibidores, dos autores, dos distribuidores e de todos os envolvidos nos
assuntos em causa, chama-se responsabilidade e regulação. Se Serralves não quer
mostrar aos meninos das escolas que visitam o seu magnífico jardim e as suas
exposições fotografias sadomasoquistas, por muito valor artístico que tenham,
eu aplaudo. Há um tempo para tudo.
Estes
movimentos que nascem e desenvolvem-se nas redes sociais têm outro aspeto
interessante: não se veem as imagens que podem ser polémicas. Assim como nos
jornais. Sabem porquê? Porque as plataformas Facebook, Google, etc. não permitem
a divulgação de imagens assim. E porque os jornais não as publicam, salvo em
contextos muito restritos.
Dizer
que a obra de um artista ou se mostra toda ou não se mostra nada, é desconhecer
as várias facetas de muitas obras. Em Portugal, de Chiado a Bocage, há obras
que não são tão conhecidas porque ficaram longe das academias pela crueza
(chamemos-lhe assim) da linguagem. Por todo o mundo acontecem coisas assim,
como calma e ponderadamente referiu o próprio presidente da Fundação
Mapplethorpe.
Não
serei eu a dizer quem tem razão. Quero apenas defender o resultado final do que
está exposto e do que está restrito em Serralves. E parece-me que o diretor
João Ribas foi muito infeliz. Afinal, foi ele quem escolheu as fotografias a
exibir, afinal é ele quem se sai mal. Afinal teve o seu momento de fama, quando
os seus amigos se manifestaram e uma série de gente correu a dar palpites sem
saber do que falava.
Mas
não é isto a vida moderna? Pois é.
PS:
Já que arte é o que está exposto em museus, sendo hoje em dia um dos redutos
mais selvagens do capitalismo e das jogadas tipo bolsa, não percebo a
relutância dos diretores de Serralves demissionários exporem Joana Vasconcelos.
Não sou um admirador da sua obra, mas – atenção! – ela está no Guggenheim de
Bilbau e é consagrada internacionalmente. E, mais do que isso, faria casa
cheia...
Henrique
Monteiro