A ALEGORIA
DA CAVERNA DOS TEMPOS MODERNOS
Nos últimos
tempos a atenção dos meios de comunicação social, nacionais e do mundo,
virou-se para uma pequena e profunda caverna na Tailândia. É claro que não fui
insensível ao desafio que aquelas crianças e o treinador viveram, mas fez-me
espécie e continuo a questionar-me sobre o exagero mediático, com directos
constantes, e o foco da solidariedade
colectiva que parece só emocionar-se pelos alvos que a imprensa elege e nos faz
entrar pelos écrans das Tvs, Ipods, Ipads, etc… Com tantos meninos no mundo
sequestrados diariamente na dor do sofrimento, causado por guerras, fome,
exploração, dramas familiares, privação do mínimo essencial a uma vida digna,
questiono-me a razão pela qual a imprensa elege uns e abafa outros, retirando
as suas imagens dos écrans que moldam a consciência de quem se compadece, apenas,
com os dramas daqueles que têm direito a horário nobre e escolhe não conhecer
os dramas de outros.
No entanto,
este episódio dos meninos presos na caverna na Tailândia mereceu a minha
atenção como uma espécie de alegoria ou exemplo que pais, educadores, a
sociedade em geral, podia aproveitar para se questionar sobre o nosso rumo
colectivo e individual, retirando proveitos para a educação dos meninos que, por cá, vivem sequestrados num
paradigma social e familiar, que lhes rouba a capacidade de enfrentarem e
aceitarem adversidades, como algo que decorre do fluir normal da vida. O
que mais tem impressionado toda agente é o facto daqueles meninos terem
demonstrado serenidade e total ausência de ansiedade ou pânico perante
circunstâncias tão adversas. Alguém até referiu que se este facto tivesse
ocorrido no ocidente ou com meninos ocidentais, o desfecho seria certamente
outro, pois não estamos a imaginar os nossos jovens a manter a serenidade e a
sobreviverem tanto tempo naquelas condições de isolamento profundo, privados de
tudo a que estão habituados e dão como um dado adquirido. E aqui é que me
parece estar o essencial deste acontecimento, que devia merecer a atenção da
comunicação social e de quem se emociona diante do écran, pois acreditando
profundamente que a Lei Universal da
Causa Efeito faz com que nada seja ao acaso, acredito que este
acontecimento tem de ter algum significado, pretende chamar a atenção para algo
ou dele podemos extrair alguma lição, encontrando aqui provavelmente a
explicação para a dimensão mundial que atingiu.
As crianças
e o seu treinador sobreviveram na caverna graças às técnicas de meditação que
este conhece bem, do seu passado de Monge Budista. Com o recurso à meditação,
as crianças focaram-se no momento presente, nas emoções desse tempo, eliminando
ansiedade pela projecção de um futuro, que ainda não tinha acontecido e que
podia nunca vir a acontecer, dada a dificuldade da sua situação. Mas não há Monge Budista que conseguisse
implantar estas técnicas num momento tão adverso, sem duas condições essenciais:
primeiro o paradigma de vida
daquelas crianças, pautado por uma vivência (cultural, religiosa, social) em
que a espiritualidade ou o foco em si, no seu interior, é um pilar essencial na
sua educação. Se aquelas crianças na sua vida normal estivessem viciadas nas
extensões tecnológicas do seu corpo, não conseguiriam sobreviver tanto tempo
privadas dos telemóveis, Ipods, Ipdas, facebooks, etc…, porque estando o
alimento da sua alma focado no exterior, jamais conseguiriam encontrar o foco
em si pela meditação. Este episódio mostrou-nos bem as diferenças entre dois paradigmas
civilizacionais: um fundado no indivíduo,
em que se procura a paz, a serenidade, a satisfação de si mesmo, com o foco
pessoal virado para o interior, onde nos encontramos iguais ou outro, com quem
partilhamos o caminho, inspirando-nos sentimentos de compaixão, amizade,
partilha; outro fundado no individualismo,
em que o foco pessoal está virado para fora, para o exterior onde procuramos a razão da existência, o que nos leva a uma postura
competitiva, egoísta, destruidora, porque tememos o outro na luta pelo domínio
do que desejamos fora de nós.
A segunda condição essencial para
o feliz desfecho foram os afectos daquele grupo, unidos pela amizade,
solidariedade, companheirismo, confiança uns nos outros e todos no seu líder.
Sim, porque há muito quem postule que o domínio da mente, seja pela meditação
ou outras técnicas, é essencial ou determinante para se atingir a serenidade. Sem dúvida! Mas a verdade é que acredito que
antes da mente e do pensamento é preciso serenar o coração, para alimentar a
mente com afectos. Como ouvi uma psicóloga a dizer, em jeito de comentário que
passou ao de leve e sem grande interesse para o jornalista interlocutor, “Não há mente saudável sem afectos”.
Quanto à
comunicação social era bom que tirasse proveito deste episódio e da
visibilidade dada à meditação: convinha que em vez de se focarem na exploração
do drama, insistindo em cenários prováveis e hipotéticos pelas insistentes
perguntas sobre o trauma que estas crianças podem vir a sofrer no futuro, se vão
ultrapassar este acontecimento, se
o treinador teve culpa, se os
pais vão perdoar o treinador,
etc…, focassem a sua atenção no
presente e explorassem as lições que podíamos tirar desta Alegoria da
Caverna dos Tempos Modernos.
Quanto a
nós, é mesmo premente pensarmos bem no que andamos a fazer com as nossas
crianças e jovens, enquanto criamos gerações inebriadas pela festa constante
dos festivais, viciadas no mundo virtual, das coisas, férias, cursos que se tem
desde que os pais paguem, mesmo que se endividem para isso, incapazes de
enfrentarem as adversidades que todos encontramos na vida real.
Marta Sobral
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