Sobre a decência humana
Hoje às 00:00
O muro entre o México e os EUA existe e
assume a forma de jaulas para cerca de 2000 crianças. Campos de concentração
para crianças que aguardam sozinhas desde Maio, aparentemente entre os 4 e 10
anos, propositadamente separadas dos pais por terrorismo de Estado. E não
sabíamos. Ou então não fomos suficientemente alertados pelos avisos semelhantes
que todos os dias se colariam aos nossos olhos se realmente quiséssemos ver.
Mas o prazo da revolta passa-nos em vertigem até uma tragédia maior que suceda.
Temos uma data limite para a indignação e está visto que não abdicamos dela.
As imagens são dantescas e sem ponta de
sangue. Não é guerra, pode ser igual ou pior. Não há sangue, só uma violência
sem limites. E lágrimas, cobertores térmicos no chão, pedidos de clemência e
pranto pela presença dos pais, jaulas iluminadas 24-horas-dia não vá o diabo
das crianças tecê-las. Nenhuma informação sobre o paradeiro das famílias,
crianças abandonadas ao abuso, à tortura da solidão, perdidas, traumatizadas.
Nos EUA, os democratas denunciam. O senador John McCain, considera esta
política uma afronta à decência do povo americano mas nem ele nem nenhum dos
seus colegas republicanos defendem o projecto de lei de Dianne Feinstein que
poderia pôr fim a este crime. Bandidos de Senado.
Para nós europeus, bastaria olhar para o que
se passa em Itália, na Hungria ou em Malta para exigirmos uma outra Europa.
Para nós europeus, bastaria olhar para os milhares de crianças enjauladas e
separadas dos pais pela política-Trump de "tolerância zero" com os
imigrantes ilegais para lhe respondermos com total intolerância e
intransigência. Mas não. Esta é a Europa que temos, tímida perante um facínora
que a democracia decadente elegeu e tímida perante os seus próprios violadores.
Enquanto ainda há muito boa gente regalada a olhar para as fotografias de dois
bonecos a celebrar um acordo sem conteúdo e com mosquitos entre cordas em
Singapura, Trump passa todos os limites e chantageia com a saída dos EUA do
Conselho de Direitos Humanos da ONU. Sim, ele pode. Porque nós deixamos.
É, por vezes, o que nos separa da decência. Façamos
de conta que nada acontece e, daqui a nada, está ali em Olivença, terra de
ninguém. Na nossa porta e ao nosso alcance. Anuncia-se uma visita de Marcelo
Rebelo de Sousa à Casa Branca no final deste mês e o seu cancelamento, até à
resolução destes campos de concentração para crianças migrantes, seria o
exigível sinal de afecto do nosso presidente. Isso se existisse Europa. Isso.
A sensação que tenho é a de que estamos a ver
passar um funeral.
Miguel Guedes
Miguel Guedes
MÉDICO E ADVOGADO
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