“Sem amizade
a vida não é nada, pelo menos se quisermos,
viver como
seres humanos”
Cícero
Amizade em tempos sombrios
A amizade está em declínio. Qualquer um pode
constatar isso no mundo contemporâneo. Os laços humanos tornam-se cada vez mais
frágeis e efémeros porque vivemos numa época em que tudo se “liquefaz”, usando
a imagem de Z. Bauman. Hoje, antes mesmo que uma amizade se solidifique, ela
está condenada a se evaporar frustrando a intenção sincera dos pretensos
amigos. O amor também facilmente se evapora. Aliás, a própria vida escorre,
rapidamente, sem que possamos aproveitá-la intensamente como parecia acontecer
com os antigos.
As preferências vão para a troca
e-mails, participar de um chat, ser
incluído num grupo do orkut, ou simplesmente jogar, jogar e jogar em rede com
os “amigos virtuais”. A conexão da
Internet ou do celular promete um especial mais-gozar do que estar “ao vivo”
com o outro. Ficar face-a-face está ficando cada vez menos necessário.
Cresce os relacionamentos de faz-de-conta, contactos
apenas virtuais, arrumar um bichinho de estimação, viver em algum lugar
solitário. A atitude avessa às pessoas não é adoptada apenas por escritores e
cientistas; costuma fazer parte de pessoas que vivem o cotidiano académico, não
obstante o imperativo de eles terem que conviver com alunos e colegas. “Seria
bom trabalhar numa universidade que não tivesse alunos”, diz um pesquisador que
odeia ensinar. Outro me confidenciou que não acreditava mais na amizade; outro,
diz que somente se interessa conversar com os de “seu nível”. Há aqueles que
substituem os amigos pelos “irmãos em Marx”, ou “irmãozinhos da psicanálise
segundo Lacan”. Um erudito tentou me convencer de que com a fragmentação
irreversível de nossa época resta cada um ficar na sua, em casa, e “conversar”
com Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomas de Aquino, apenas com gente que abre
o caminho da sabedoria e da ascese. Segundo esse erudito “é mais proveitoso
conversar com meus amigos, pensadores, do que com especialistas de nossa
época”.
Hoje é fácil descartar amizades potenciais. A
falta de disponibilidade para a amizade verdadeira é tamanha que torna-se
visível a resistência para continuar uma conversa que mal teve um início. Não
raro, as poucas amizades que ousam ultrapassar a barreira do estereótipo
precisam vencer as contingências que concorrem para descartá-las, ou podem
simplesmente serem toleradas por interesses profissionais, institucionais,
políticos, académicos, comunitários, ou mesmo familiares. Entretanto, segundo
Alberoni (1993), essas indicações, acima, nada têm a ver com o conceito de
amizade.
Militantes não são amigos. Uma das primeiras
frustrações que tive na militância política de esquerda foi reconhecer que
entre os militantes não existe verdadeira amizade, mas sim lealdade e interesse
na “causa”
Onde as relações são instrumentais não existe
verdadeira amizade. As amizades se sustentam apenas onde as relações se
aprimoram. Na amizade – e no amor, também – sobressai o impulso natural e o sentido
da relação de querer estar com outro, e
basta! Embora a amizade e o amor tenham os seus próprios e camuflados
interesses egoístas, a finalidade de ambos é a sustentação do vínculo entre as
pessoas que se querem bem. Entretanto, a pseudo amizade dos militantes de uma
causa política, religiosa, ou cultural, tem uma finalidade meramente
instrumental, porque o outro só existe como “objeto” de uso para conseguir
êxito numa causa abstrata ou concreta. Fontes e definição da amizade
Os gregos antigos são fonte de inspiração
sobre a amizade. Para Epicuro (341-270 a .C) “embora não altere o sofrimento nem
possa evitar a morte, [a amizade ou philia] ajuda a suportá-la (...). Ainda, a
philia é o instrumento indispensável ao artesanato ético interior, pois a
presença do amigo auxilia a procura e a manutenção da sabedoria...” (Pessanha,
1992).
Epicuro foi o sábio que mais teve amigos, na
antiguidade, tamanho foi o número deles que vieram saudá-lo no seu funeral.
Embora fosse um homem de saúde frágil, Epicuro, morreu feliz, brindando aos
seus amigos com uma taça de vinho.
Aristóteles também
não se cansava de dizer que o maior bem que tinha na vida eram os amigos. Uma
de suas preocupações, como filósofo, era ensinar aos discípulos como fazer e
como manter amizade, dado que existem pessoas que facilmente iniciam uma, mas
não sabem como mantê-la. Ou a causa mais comum que é o egocentrismo, onde o
interesse é absorver da amizade o que puder para depois a terminar de forma
abrupta e maleficamente inconsequente.
Finalizo com
uma observação de meu amigo e escritor José Carlos Leal
“Desconfie de uma pessoa que chama a todos de amigos. Porque, se ele
chama a todos de amigos, provavelmente não se sente amigo de nenhum”
Igor Arvelos
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