(...)
Passamos a vida tão ao de leve, tão preocupados com coisas mundanas, com as
contas, com os horários, com o que os outros pensam, com o que é que se
tira para o jantar, com aquele berbicacho que temos de resolver até ao dia
seguinte, que nos esquecemos do que realmente importa. De quem realmente
importa.
Só as
tragédias nos espicaçam durante uns dias.
Nesse
período, prometemos a nós próprios que vamos ser pessoas melhores, que vamos
preocupar-nos mais com os outros, que vamos telefonar mais vezes aos pais, aos
avós, aos amigos, que vamos cumprir aquela promessa há tanto tempo
adiada.
Prometemos
tudo isto, para logo a seguir sermos novamente engolidos pelo quotidiano e
atirados a um mundo que não está feito para contemplações. Um mundo que não nos
dá tempo para pensar, que não nos dá tempo para tudo o que um dia gostaríamos
de fazer ou dizer.
E, quando
mais de 90% da população luta para sobreviver, é quase um insulto pedir que
sejamos mais contemplativos e olhemos para as pequenas coisas poéticas que a
vida nos oferece. A poesia não paga as contas, não cumpre os horários, não faz
o jantar.
Mas então
acontece uma tragédia. Um acidente, uma doença, uma injustiça. Um segundo que
nos rouba o chão, que nos traz o desejo doloroso de ter tido mais um dia, mais
um abraço, mais uma palavra sussurrada ao ouvido. Nessa altura, o que nos resta
senão as tais coisas poéticas?
Quando não
há um corpo, quando não há vida, matéria, substância, persistem as recordações
e a culpa por todos os minutos que perdemos a pensar nas contas, nos horários e
nos jantares. Porque, por muitas voltas que a vida dê, por muitas obrigações
que o mundo nos imponha, são as pessoas que nos dão sentido.
Pessoas que
merecem ouvir todos os dias o quanto são importantes na nossa vida. Todos os
dias. Não apenas nos dias das grandes alegrias. Ou das grandes tragédias.
Filipa
Fonseca Silva
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