O
senhor Dinis
No
ar rarefeito da manhã, e a par dos passos cansados ela acompanhou com o olhar a
longa frontaria moderna, o amplo jardim relvado e a alta cerca de ferro com
portão a condizer.
De
dentro accionaram o mecanismo que lhe facultou o acesso a um hall de piso brilhante,
paredes coloridas por cartazes, imagens, e trabalhos manuais. A sua capacidade olfactiva
apercebeu-se que o cheiro não era o de um lar (se é que os lares têm cheiro
próprio), mas sim de uma recente limpeza, e tudo era acético, mas não
demais.
Pediram
que esperasse, a senhora doutora atenderia logo que pudesse. Deixou cair a
carteira no grande banco de madeira envernizada encimado pela estante
envidraçada onde constavam os menus da semana inteira. Chamou-lhe a atenção,
com agrado, a variedade de sopas.
Os
minutos foram passando e contava-os um a um, tal como as migalhas dispersas em que
se encontrava a sua paciência. No vidro de um passe-partout pendurado, notou as
olheiras profundas, de um cansaço anómalo onde o físico e o anímico se gladiam
a ver quem dá mais.
Ao
fundo do corredor a ampla porta oscilava e permitia o vislumbre parcial duma
sala onde corpos idosos ou diminuídos se entregavam ao tempo. Será que o contam
em dias, em horas, ou em minutos? Mas cujos olhares fugiam da sala e vinham ao
seu encontro sempre que a frincha da porta o permitia.
E
o tempo, o seu tempo, escarneceu … agora voltada para a porta de saída onde a
liberdade prometia. Só ouviu o ploc ploc, quando o ruido já estava muito
próximo dela, voltou-se e deu com os olhos que a analisavam enquanto as mãos
tentavam manter o equilíbrio do andarilho. O dono do andarilho deu mais uns
passos que lhe permitiram sentar-se no tal banco de madeira do qual ela se
apressou a retirar a carteira.
-
deixe estar, deixe estar, cabemos todos, eu, a sua carteira e também a menina
se se quiser sentar…diga-me, como se chama?
-
Maria, e o senhor?
-
eu sou o Dinis e estou a viver aqui…e a menina vem visitar algum residente?
-
não, vim conhecer o local para um familiar, saber das condições…parecem boas,
que me diz?
A
pequena estatura era compensada pela abrangência do olhar vivo, experiente, e
inconformado. Olhou-a como que avaliando se valia a pena dar a resposta dele ou
a que ela quereria ouvir. Pôs-se de pé, acertou o andarilho na direcção da
porta, olhou-a nos olhos e foi dizendo:
-
aquela porta não é uma porta, é um oceano entre dois continentes, aquele onde
vivi como pessoa, e este onde gasto oxigénio – quando olho o jardim penso que
lhe roubaram o verde, mesmo na primavera, porque nenhum verde é igual ao do meu
quintal – sinto saudades de ter frio no Inverno e calor no Verão, aqui na
confortável temperatura sempre igual não tenho motivos para ansiar as estações –
nestas paredes novas, tudo perfeito, tenho já dificuldade em recordar a minha
casinha de que tanto gostava – e a família…a 5 quilómetros, acha que é muito
longe?...
Com
perícia, deu a volta ao andarilho e com passos trémulos encaminhou-se para a
sala onde tudo é espera.
Maria
levantou-se, pegou na carteira e procurou o botão mágico que abria o portão,
seguida pela farda encantadora da empregada…
-
já vai embora? Mas a senhora doutora ia mesmo agora mostrar-lhe tudo
-
obrigada, creio que já vi tudo.
MA